Obituário/Nascimento

25 agosto 2010

Este blog morreu.

Seu corpo inerte, no entanto, permanecerá aqui até que o rabecão do WordPress relegue-o, exclusivamente, ao Web Archive.

O autor, no entanto, está vivo (vivíssimo) em outro blog:

mais focado, com novo gás; espera-se que dure um bom (no sentido de bem aproveitado) tempo.

Espero que você que chegou aqui por acaso, ou mesmo que tinha o costume de por aqui passar,  se divirta com o Observatório de Gente.


Jurandir, o homem que anda na diagonal

10 setembro 2009

Jurandir olha fixamente para o semáforo enquanto espera na calçada. À primeira vista, seu corpo parece alinhado à faixa de pedestres – não está. Quando abre o sinal, ele até pisa na faixa, mas não dá mais que dois passos sobre ela. Segue em linha reta, porém, a cada passada, se afasta mais das listras brancas pintadas no asfalto.

Jurandir não tem paciência para caminhar na faixa para só depois virar à direita ou à esquerda, como faz a maioria das pessoas. Jurandir anda na diagonal.

Uma análise apressada poderia defini-lo simplesmente como alguém ansioso. O conceito, no entanto, é muito restrito para definir uma pessoa para quem a Terra gira devagar demais, os ponteiros do relógio avançam a movimentos de lesma e a lâmpada fluorescente demora muito a acender. Jurandir sabe aonde quer chegar, e acha que deve cortar caminho.

Ele acha que perde tempo demais o tempo todo. Não quer se esforçar por nada que não tenha um fim muito específico, uma consequência imediata e sabida. É um homem para quem as coisas não acontecem no seu devido tempo, e julga que etapas só existem para serem puladas.

Jurandir sofre com as longas fases da vida, tanto que chega a acreditar que temos de compensar todo o tempo em que fomos macacos.

Jurandir dá descarga antes de lançar o último jato de urina no mictório; já está com um pedaço de papel higiênico, cuidadosamente dobrado na mão direita, minutos antes de se levantar do vaso; enxuga a boca enquanto ainda faz o último bochecho da escovação dos dentes. Tranca a porta do apartamento enquanto segura a do elevador. No almoço, toma o último gole de suco de pé. E sua sobremesa é sempre um bombom, um brigadeiro: algo que se possa comer enquanto anda.

Jurandir não para em nenhum emprego, pois acha que não cresceu o suficiente naqueles meses – e que precisa ser desafiado. Não suporta passar um dia sem ser cobrado – e, quando o fazem, acha que estão falando demais por algo que ele nem precisa se esforçar para executar. Jurandir acredita que merece uma responsabilidade maior, mas quando lhe dão, diz que não era “esse tipo” de responsabilidade que precisava – sem, no entanto, saber dizer qual seria.

Jurandir acha que é muito bom no que faz e que, por isso, só devem atribuir-lhe atividades dignas de sua competência – e do seu ânimo. Ele disputa um jogo de tabuleiro com a vida, mas em vez de se adequar a todas as regras, só busca as casas que permitem pular várias outras. De tanto ímpeto para chegar a estas, cai em outras – aquelas que mandam  voltar para o começo do jogo.

Jurandir aprende que quem dá as regras não é ele. Mas vai continuar andando na diagonal. Até que consiga chegar pelo seu próprio caminho, até que resolva seguir as regras do jogo, ou, por fim, até que não haja mais tempo para começar de novo.


Crônica de um fracasso: o(s) dia(s) em que não vi Gay Talese

12 julho 2009

Alguém que demora muito a aparecer deveria chegar com palavras mansas. Um olá, bom dia, como vai, deveria preceder qualquer conversa, tanto tempo depois de uma ausência. Mas me reservo a ser mal-educado neste momento de frustração. Apesar de ensaiar há algum tempo meu retorno à esta tribuna, só tomei motivação para fazê-lo agora, na vã tentativa de espantar alguns demônios. O homem que vos escreve, aqui, caros leitores, é um idiota.

Todo mundo sabe que esteve pela primeira – e, provavelmente, última – vez no Brasil o jornalista Gay Talese. Não lembro exatamente como nem onde, em algum dia entre os anos de 2003 e 2004, ouvi falar dessa sumidade da reportagem. Acho que tinha 19 anos (não mais do que isso) quando li, pela primeira vez, um livro do filho de um alfaiate italiano que provou, mais uma vez na história, que não há nada mais interessante no mundo do que gente.

Li Fama & Anonimato no segundo semestre de 2004, emprestado de uma professora chata que eu e meus colegas julgávamos incapaz de escrever mais do que algumas notas em caneta vermelha. Na verdade, enfiei o livro na mochila antes dela dizer que me emprestaria – e, sem tônus para me impedir, deixou que eu o levasse, desde que devolvesse logo. Serei sempre grato a essa mulher.

Como deixava minhas tardes livres – os trabalhos da faculdade raramente eram dignos de minha atenção – devorei as cerca de 500 páginas do livro em duas semanas. Num só dia li a primeira parte – Nova York: a jornada de um serendipitoso (que depois homenageei com uma espécie de paródia, mal escrita); logo ataquei A ponte, sobre a construção da ponte Verrazano-Narrows e os boomers que a colocaram de pé. A última parte, só com perfis irretocáveis de famosos como Frank Sinatra, seria o ápice daquela experiência que abriria minha cabeça para um mundo de possibilidades naquele tal de jornalismo, que eu já começava a achar tedioso.

Foi um ano de muitas leituras. Chegava no meu sebo preferido de Campinas – por causa dos muitos títulos de livros-reportagem – com uma lista e mostrava para o dono, querendo saber o que tinha. Achei um exemplar quase novo de A mulher do próximo, que até hoje tem a etiqueta do preço (R$ 22). Se eu lia os livros de até 300 páginas como 1968 – O ano que não terminou, de Zuenir Ventura, em uma semana, os de 500 ou mais eu teria no máximo duas semanas, foi a regra que me impus. E assim o li. E saí falando para todo mundo, escrevendo vários posts no meu blog de então e às vezes botando o assunto na roda mesmo quando o papo ia para temas totalmente destoantes. Estava excitado – não só pela escrita fluente, cheia personagens que pareciam inventados, de tão reais. No alto dos meus 19 anos, sexo era o tema com maior propensão a me estimular.

(Um parêntesis: se estou frustrado por não ter visto meu maior ídolo no jornalismo – sim, é por isso que comecei a escrever isso, findo o mistério – não posso dizer o mesmo de Zuenir Ventura, outro ídolo, só que também como pessoa, com o qual tive um longo papo em 2005 e ainda outras conversas por telefone. É só eu falar que sou aquele que fez ele autografar três livros em Campinas que ele se lembra de mim.)

Tudo isso já faz um bom tempo. Na mesma época li, mais demoradamente (20 dias?), O Reino e o Poder, sobre o New York Times e, recentemente, me vi travado na leitura de Honrados Mafiosos­, uma edição antiga que, quero acreditar, só tem a leitura menos fluída por causa da má qualidade da tradução.

Vieram as redações, o fim das utopias, a tarefa de escrever para ganhar dinheiro, o jornalismo esportivo, e Talese foi virando apenas uma lembrança boa. A empolgação voltou, em parte, quando soube de sua vinda para a Flip e do lançamento de Writer’s Life em português (Vida de Escritor). Imediatamente tratei de adquirir o livro, tentei uma entrevista (tardiamente, confesso; comi bola, como se diz) com o homem dos ternos feitos à mão, mas sequer planejei uma ida à Flip (a apatia, esse mal que me consome a maior parte do tempo).

O destino, contudo, me parecia favorável quando soube que o mestre viria à minha vizinhança, falar aos poucos (imaginava eu, idiotamente) que conheciam seu talento no Brasil. Estava numa tarde livre, sem trabalho, ainda amargando os primeiros dias de recém-ingressado na carreira de repórter freelancer. Desliguei o computador (a internet, essa que Talese não usa, havia sido instalada poucas horas antes), tomei um banho. Vesti uma camiseta, mas me senti desarrumado. Para ouvir um homem que tem dezenas (centenas?) de ternos, todos feitos à mão (terá ele sucumbido às etiquetas?), vestir uma camisa era o mínimo que eu podia fazer.

Imaginei que, com as senhas sendo distribuídas a partir das 18h30, em plena terça-feira, pouca gente estaria no local. Ou ao menos um número inferior à capacidade do auditório. Eu mesmo não havia me dando conta – a ficha não tinha caído – de que quem estava para chegar ao Masp, a poucas quadras de casa, era ninguém menos que o maior nome do new journalism, o autor do perfil histórico de Frank Sinatra, o escritor que fez o mais detalhado retrato da sexualidade nos Estados Unidos antes da era da Aids, que elevou os anônimos ao mesmo patamar dos famosos (se não um superior) entre os personagens dignos de nota. Gay Talese, meu caro André. Gay Talese, eu repito, me repreendendo. O homem que te guia, todos os dias, mesmo que você esqueça, por um caminho para um texto melhor, para uma apuração melhor, para uma entrevista em que se ouça mais do que se fale.

Claro que o final dessa crônica modorrenta vocês já sabem. Cheguei às 18h10 no local e uma fila imensa já se formava. Dois amigos vieram de Campinas para o evento, e, assim como eu, ficaram a ver a Avenida Paulista e nada mais. Até o presente momento, não tinha me dado conta de que perdera a primeira e – provavelmente, repito – última chance de ouvir as palavras, e ver pessoalmente as rugas de 77 anos do homem que me faz estar aqui, num apartamento frio e pequeno no meio de São Paulo, onde vim fazer a vida como jornalista.

Tudo que eu possa fazer daqui para frente pode tornar este fato pequeno. Mas a verdade crua é que neste instante nada mais importa. Dei a maior cagada de toda a minha curta carreira (claro que o destino me reserva outras adiante, que em termos práticos podem ser piores). Minha edição, hoje surrada, de A mulher do próximo, volta para o fundo de uma caixa com naftalina, sem autógrafo. E eu, sem alento, volto à minha vidinha anônima. Fim da história. Bola pra frente.


Bariloche acima de zero

19 março 2009

Sem neve, a cidade da Patagônia argentina revela novas  paisagens e ambientes ideais para esportes de aventura

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Uma das vistas do Llao Llao Hotel & Resort - elas estão por todos os lados

Uma das vistas do Llao Llao Hotel & Resort - elas estão por todos os lados

Quando a neve começa a derreter, no início de outubro, Bariloche se torna uma outra cidade. O verde domina a paisagem, a temperatura fica em torno de 24°C e a natureza exuberante pode ser apreciada de uma forma totalmente diferente. Ainda que esquiar seja a atração mais famosa da cidade da Patagônia argentina, o período sem neve – que vai até abril – oferece não só preços mais acessíveis, como outras atividades tão divertidas quanto deslizar sobre esquis.

Rafting é uma das opções. O lago Steffen, a uma hora do centro da cidade, é o ponto de partida para o percurso pelo rio Manso. Roupa de neoprene, colete salva-vidas e capacete ajustados ao corpo, é hora de encarar as corredeiras. O trajeto é relativamente tranquilo, não passando do nível 2 de dificuldade (numa escala que vai até 6). A calmaria na maior parte do trajeto é ideal para apreciar, entre uma remada e outra, a paisagem de montanhas e florestas.

No fim do passeio de cerca de duas horas, os mais valentes podem encarar um mergulho no rio. É preciso coragem: mesmo não sendo inverno, a temperatura da água é tão baixa que é difícil ficar mais do que cinco segundos com a cabeça submersa. E para fechar o passeio em grande estilo, os aventureiros são recebidos com um belo asado, churrasco típico do país. A carne é preparada ali mesmo, em meio às árvores e de frente para o rio. O almoço tem o canto dos pica-paus como trilha sonora.

Mas quem busca mais emoção também é bem-vindo no rio Manso. É possível fazer um percurso de três dias de rafting. Para comer e descansar, cabanas de madeira estão instaladas ao longo do rio. No último dia de aventura há corredeiras de nível 3.

Quem for a Bariloche na primavera, verão ou outono pode guardar as montanhas na memória não só pela vista. O rapel é outra prática ideal para essas épocas. É então que entra em cena o guia Nahuel. Coincidentemente – ou por alguma força do destino – seu nome é inspirado no da reserva nacional em que Bariloche está situada, que também é doprincipal lago da cidade: Nahuel Huapi.

Nahuel Goggio, porém, é filho de argentinos de Buenos Aires e nasceu na Espanha. “Sempre gostei muito de natureza e esportes. Isso faz de Bariloche a cidade ideal para eu viver”, conta. Depois de subir um morro por um trajeto não muito íngreme, dentro do Parque Municipal Llao Llao, chegamos ao ponto do início do rapel.

O grande obstáculo é o medo. Os momentos anteriores à descida são os mais tensos para os inexperientes. Mas o percurso é tranqüilo, com bastante apoio para os pés. Quem tiver coragem de tirar os olhos do paredão e virar para trás pode contemplar a vista do lago Moreno e dos cerros. O instrutor está sempre ao lado.

Ainda outra opção para conhecer Bariloche no verão é pedalar. Estradas de chão cercadas de verde são o caminho para um passeio agradável de bicicleta. Um trecho do percurso é impossível de se fazer no inverno – quando os lagos Moreno e o Morenito se juntam, cobrindo o estreito pedaço de terra que os separa.

CIRCUITO TRANQUILO
Também não dá para visitar Bariloche sem fazer o Circuito Chico. O show de vistas espetaculares começa pelo Cerro Campanário. Já na subida, de teleférico, presencia-se um verde que no inverno é apenas branco de neve. Lá em cima, uma das melhores vistas dos lagos da cidade – é possível ver o lago Nahuel Huapi, o Moreno e a Lagoa del Trebol.

“Bariloche é uma cidade diferente a cada vez que se vem”, diz a guia Lucía Samengo. Se a frase faz todo sentido no que se refere às paisagens, faz mais ainda quando, na continuação do nosso passeio, o turista depara-se com um Cerro Catedral totalmente incomum. O lugar onde se esquia no inverno agora serve para mais um espetáculo de vistas.

Outra atração famosa é o Parque dos Arrayanes. As árvores de tronco alaranjado que dão nome ao lugar só nascem naquela região. Acredita-se que o cenário idílico tenha inspirado Walt Disney na produção do filme Bambi.

É mesmo difícil não se inspirar. O canto dos pássaros é constante, mesmo que não possamos vê-los – as árvores são muito altas. É lá também que encontramos o llao llao, espécie de fungo nascido nos galhos e que seria usado pelo povo mapuche – que povoava o lugar antes da colonização espanhola – para fazer um chá ritualístico.

E quando for a Bariloche, não pergunte sobre os alfajores Havana. Até há uma loja da famosa marca, mas o Rapa Nui é o produzido na cidade. A especialidade do lugar é o chocolate. Dentre todas as marcas que são vendidas no centro da cidade, a mais famosa é a Mamuschka, com combinações de sabores tão ampla que os chocólatras sofrem para fazer escolhas.

Mas chega a hora de partir. É noite em Bariloche e o sol só se pôs por volta das 21 horas. O pequeno aeroporto recebe quase que exclusivamente brasileiros. No voo lotado (e direto) prevalece o silêncio. Quem não está dormindo tem um olhar distante, como de quem volta ao mundo real depois de dias de fantasia. Porque Bariloche não parece de verdade. É quase um conto de fadas.

ROTEIRO:
CHOCOLATES/ALFAJORES
MAMUSCHKA
R. Mitre, 298, (54) 2944-423294. Os mais famosos chocolates de Bariloche. Vendidos por quilo.

RAPA NUI
R. Mitre, 202, (54) 2944 423779. Alfajores e chocolates de produção própria.

FICAR
LLAO LLAO HOTEL & RESORT GOLF SPA
Av. Bustillo, km 35, (54) 2944 448530. O famoso resort faz parte do circuito turístico. Tem spa, golf, academia e dois restaurantes. (eu fiquei lá! maravilhoso!)

SE AVENTURAR
NAHUEL GOGGIO
(54) 2944 15627417, ngbariloche@gmail.com
Guia de treking, rapel e moutain bike. Pode fazer os passeios tanto pelo Llao Llao, para hóspedes, como independente.

EXTREMO SUR
Morales, 765, (54) 2944 427301. Para fazer rafting e caiaque. No Rio Manso, o percurso é tão tranqüilo que mesmo crianças podem ir.

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Publicado na revista TAM nas Nuvens, edição 13, de janeiro de 2009


Os Eleitos

18 novembro 2008

Eles treinaram duro para estar no time de pilotos mais hábeis da Força Aérea Brasileira. A missão destes homens, porém, é de paz: encantar a todos com acrobacias espetaculares

Para o pequeno Carlos Henrique, música era o ronco dos motores dos aviões. Cinema era o espetáculo de loopings, parafusos e wingovers. Brinquedos eram aviõezinhos. Desde sempre vendo e ouvindo os moradores mais conhecidos da Academia da Força Aérea sobrevoando sua cidade natal, Pirassununga, a 200 km de São Paulo, a escolha da profissão foi natural: fumaceiro. É assim que se autodenonimam os membros do Esquadrão de Demonstrações Aéreas, mais conhecido como Esquadrilha da Fumaça.

“Ia a todas as demonstrações. Acabou que os meus estudos foram direcionados para entrar na Força Aérea”, conta o hoje Capitão Carlos Henrique Baldin, desde o ano passado na Fumaça, apelido carinhoso dado pelos fumaceiros ao esquadrão. Com mais de 3 mil horas de vôo, o Capitão Baldin já ultrapassou 50 demonstrações.

Há um ano, ele vivia as emoções que o Capitão Alexandre de Carvalho Ribeiro vive hoje. Filho do respeitado Coronel Ribeiro Júnior, que voou na Fumaça quando esta ainda usava os aviões T-6 Texan, Alexandre treina para ingressar no time. “Acompanho desde criança a Fumaça e foi uma escolha muito natural para mim”, diz.

A palavra “família”, quando dita por um fumaceiro, não se refere necessariamente a laços de sangue. Para suportar uma rotina cansativa e de dedicação integral à Fumaça, é preciso algo mais intenso do que simples coleguismo. “Somos uma família como qualquer outra, com todas as suas qualidades e defeitos”, define o Tenente Márcio da Costa Corrêa, 3 mil horas de vôo e mais de 50 demonstrações na bagagem.

Longe de ser uma vida como a do personagem Pete “Maverick” Mitchell, vivido por Tom Cruise no filme Top Gun – Ases Indomáveis, os fumaceiros têm uma rotina espartana. Fazem pelo menos dois treinamentos por semana, um com tempo bom e outro com tempo ruim. Além dos trabalhos administrativos de todo militar, de segunda a sexta, das 8h às 16h30. Nos finais de semana, se apresentam por todo o Brasil.

“A família paga um preço. Quando o piloto decide entrar para a Fumaça, os parentes têm de estar preparados. Mas para eles é um orgulho também”, explica o Major Cláudio José Lopez David, que está no seu último ano entre os fumaceiros, mais de 5 mil horas de vôo e 200 demonstrações depois.

Sangue novo
A dedicação integral à Esquadrilha da Fumaça é uma das razões para a carreira durar apenas quatro anos. A necessidade constante de inovação também conta. “As acrobacias são um espetáculo plástico. É um balé aéreo que não pode deixar o público cansado”, resume o Tenente Márcio, estreante na Fumaça, mas que já participou da mudança da série de manobras ocorrida neste ano.

Sangue novo, quando se trata de voar no limite, não tem nada a ver com inexperiência. Para se candidatar a uma vaga entre os 11 pilotos da Esquadrilha da Fumaça, é necessário ser “rodado”. O candidato precisa ter, no mínimo, 1500 horas de vôo, sendo 800 como instrutor. “Num lugar onde se voa muito, como aqui na Academia da Força Aérea, isso leva de três a quatro anos”, explica o Capitão Gil Eduardo de Lima e Silva, com quase 4 mil horas de vôo e mais de 100 demonstrações no currículo.

Todo esse tempo nos ares permite que os brasileiros consigam marcas inéditas entre outros esquadrões de demonstração. A Esquadrilha da Fumaça, cuja primeira apresentação se deu em 14 de maio de 1952, é uma das poucas que fazem uma manobra rara, graças ao seu alto grau de dificuldade: o vôo de dorso. É quando o avião voa, literalmente, de cabeça para baixo.

“Você vira criança de novo. Seu cérebro quer fazer uma coisa e você outra”, explica o Capitão Líbero Onoda Luiz Caldas, com mais de 3 mil horas de vôo e ultrapassando 50 demonstrações. No vôo de dorso, todos os comandos mudam. Para dobrar à direita é preciso virar o manche para a esquerda e vice-versa; para subir é preciso fazer o movimento que normalmente é para descer. Esta é a parte mais difícil do treinamento de três meses pelo qual o piloto passa depois de admitido na Fumaça.

Não bastasse a dificuldade motora, há o esforço físico. “Depois que você sai do avião, parece que acabou de correr os 100 metros rasos”, conta o tenente Márcio. “O coração dispara. E como tem de estar muito bem preso ao assento, dóem bastante os ombros e as pernas.” O esforço compensa: em 2006, a Esquadrilha da Fumaça bateu o recorde de aviões voando de dorso ao mesmo tempo: 12. As duas marcas anteriores, também registradas no Guiness Book, eram dos próprios fumaceiros, que em 1996 voaram com 10 aviões de cabeça para baixo e 11 em 2002, na comemoração dos 50 anos do esquadrão.

Respeito mundial
Recordes como esse fazem a Esquadrilha da Fumaça ser respeitada entre aviadores do mundo inteiro. Tal reconhecimento fez os fumaceiros serem convidados para o Royal International Air Tatoo (RIAT 2008), um dos mais conhecidos festivais de aviação do mundo, em Fair Ford, a 80 quilômetros de Londres.

Foram 31 horas de vôo, com cinco escalas em quatro países diferentes, para ir de Pirassununga a Fair Ford. Para isso, oito aviões T-27 Tucano, acompanhados de um Hércules levando uma equipe de apoio, saíram do Brasil no dia 2 de julho e só chegaram à Inglaterra uma semana depois.

Os Tucano usados pela Esquadrilha da Fumaça têm autonomia de 4h30 de vôo. São aviões bons para a execução de manobras, ideais para treinamentos e apresentações. Seu motor é o turbohélice Pratt & Whitney de 750 SHP. Para a viagem, foram instalados tanques “subalares” (embaixo das asas), que aumentam a capacidade de abastecimento para até 10 horas de vôo ininterruptas. Ao chegarem, no entanto, a decepção: o RIAT havia sido cancelado devido ao mau tempo.

“O grande triunfo foi a viagem em si. Cada vez que chegávamos em um país, tínhamos de passar pela alfândega, pagar impostos”, lembra o tenente Márcio. “Isso tornou a viagem ainda mais cansativa e exigiu um planejamento grande”. Os ingleses e aviadores de todo o mundo só puderam assistir a um vôo de aprovação, obrigatório antes da demonstração aérea – que não aconteceu.

Mesmo sem terem feito seu show máximo, a visão daquelas aeronaves com as cores da bandeira brasileira deixou embasbacados ingleses e aviadores vindos dos mais diversos lugares presentes no evento. A Esquadrilha da Fumaça já havia feito o que o Capitão Baldin define com a essência da profissão: “Ser fumaceiro é encantar as pessoas”.

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Publicado na revista TAM Nas Nuvens, edição nº 10, de outubro de 2008


Quase famosos

20 outubro 2008

A meteórica trajetória da banda que levou o heavy metal à cidade do axé

O encontro
Um dia chegou à porta da nossa casa o carinha que era amigo do meu primo. Carregava uma guitarra “nua” – fora de qualquer case, embalagem ou bolsa – e uma caixa de som cinza, com cara de velha. Apesar de ser apenas um ano mais novo que eu, era de Pedro, três anos mais novo que ele, que Bernardo era amigo. É uma diferença considerável quando se está nas faixa dos 13 aos 17 anos.

Bernardo era conhecido pela sua habilidade no videogame. Mas depois de pegar numa guitarra pela primeira vez, os jogos eletrônicos seriam parte do passado. Eu e Pedro começávamos a descobrir o som do Iron Maiden e do Black Sabbath – pelo caminho mais improvável: o tio fã de MPB tinha, em meio a Chico Buarque e Novos Baianos, um ao vivo e um tributo aos ingleses do heavy metal (expressão que, até este texto, eu escrevia apenas com iniciais maiúsculas).

O futuro guitar hero de Porto Seguro queria tocar aquela stratocaster de marca desconhecida, mas não tinha em mente o som que queria fazer. Foi aí que eu e Pedro entramos na história. Eu havia rompido com o piano depois de oito anos me arrastando para aulas que ninguém me obrigava a fazer, mas que eu insistia em continuar. Até hoje não sei por que. Depois de arranhar um Raimundos no violão, eu queria a guitarra. E logo ela viria.

O baterista estava engatilhado, mesmo tendo pura e simplesmente uma convicção de que tocaria bateria muito facilmente porque conseguia fazer um ritmo “muito massa” batucando na geladeira. Ele até mostraria uma gravação, nada convincente, para comprovar.

Depois que ganhei a guitarra e comprei um amplificador – que carreguei em alguns ônibus entre Eunápolis e Porto Seguro – com o dinheiro da poupança, Xandão se fez baterista quando o pai comprou o instrumento do professor de bateria. Claro que, depois que tinha o principal, Xandão dispensaria as aulas.

Bernardo ia passar férias e feriados na casa da avó, em Vitória da Conquista, justamente quanto tínhamos mais tempo para ensaiar – ou ainda menos o que fazer. Mas estas viagens foram fudamentais para o sucesso da banda: tendo ainda mais tempo ocioso na árida cidade do sudoeste baiano, ele se dedicava integralmente ao estudo dos solos e riffs dos nossos dois únicos CDs de heavy metal – aqueles do meu tio. Graças a isso, a maior parte do nosso repertório viria de Real Live One, do Iron Maiden, e Nativity in Black: A Tribute to Black Sabbath.

Mesmo sem baixista e vocalista, nos considerávamos uma banda. E tivemos certeza de que não éramos ignorados pelo mundo quando tivemos nosso primeiro rito de passagem.

O estrelato
Um dia o pai de Xandão, nervoso com a simples possibilidade dos vizinhos reclamarem do barulho, desligou a chave de eletricidade do nosso “estúdio”: o quarto de um apartamento sobre a casa, onde tentávamos isolar o som cercados por uma parede de colchões.

No dia seguinte, nos mudamos – com amplificadores, pratos, cordas enferrujadas e equipamentos emprestados – para a casa de Bernardo. Quando tocava o telefone ou alguém nos chamava no portão, a outra avó do nosso guitar hero batia com o cabo da vassoura sob nosso chão. Só assim para ouvirmos alguma coisa em meio àquela maçaroca sonora de guitarras distorcidas e bateria.

A maçaroca, porém, começava a ficar redonda e a gerar comentários. Logo a banda de grunge local, que até então não nos levava muito a sério, começou a dar umas passadinhas nos ensaios. O mesmo aconteceu com um monte de gente que eu não conhecia, mas que entrava no quartinho quente e apertado pelo simples fato de conhecer alguém que conhecia Bernardo. Algumas vezes, porém, ninguém da banda sabia de onde vinha o visitante.

Depois de inúmeras audições de vocalistas – nenhum sabia nada de heavy metal, claro – resolvemos reconsiderar o teste de um deles. João Paulo era colega de classe de Bernardo e tinha gosto musical ignorado. Mas um dia achamos que ele conseguiu cantar todas as músicas muito bem. E ele foi admitido.

Os baixistas se revezariam – Patrick, baterista da banda grunge local, ficou impressionado quando conseguiu tirar uns trocados na primeira participação que fez conosco, tocando baixo, numa pizzaria em Arraial D’Ajuda. De todas as vezes que havia tocado com sua banda, não tinha ganho um tostão.

Em se tratando de Porto Seguro, é lógico que, na maioria das vezes, praticamente pagamos para tocar. Nossa recompensa vinha em forma de coros quando tocávamos Fear of the dark, em rodas de “bate-cabeça” quando Xandão batia rápido na caixa em Be quick or be dead, e em apertos de mão no final do show, quando um desconhecido praticamente agradecia por tocarmos heavy metal em pleno sul da Bahia. Havia algumas groupies também, mas a maioria ficava com o vocalista.

O auge
Contávamos com uma equipe de apoio sem precedentes. Tínhamos uma Ford Explorer ou uma Chevrolet S-10 para levar o equipamento – dependendo de qual dos dois irmãos de Xandão dirigisse. E sempre havia um braço amigo para ajudar a carregar amplificadores e guitarras.

Um dia fomos tocar no espaço alternativo de uma das baladas da cidade. Na preparação do local – que estava sujo e fedia a xixi –, à tarde, resolvemos abrir uma porta lateral para arejar o ambiente. Qual não foi nossa surpresa quando dois rottweilers gigantes saíram por ali e começaram a latir para nós. Pânico. O irmão de Xandão, de cima duma caixa, tentava domar os bichos:

“Satã! Entra Satã!”
“Como você sabe o nome dele?”
“Sei lá, um bichão desse deve ter um nome assim…”

Consegui sair de fininho para avisar um funcionário da casa sobre os cachorros. Quando soube que estavam soltos, o homem arregalou os olhos, se pôs a correr e a avisar os colegas, que fizeram o mesmo. Quando a notícia chegou a um dos donos, ele pôs os monstros, do tamanho de bezerros, para dentro – com apenas um grito.

À noite, show memorável. A enorme quantidade de pessoas que pusemos para dentro de graça teria sido uma ótima desculpa para nosso contratante não nos pagar – isso se tivéssemos conseguido falar com ele depois. Pelo menos metade dos que viram nosso espetáculo não pagou para entrar.

O absurdo chegou ao ponto de, quando dissemos que um amigo pagodeiro era o baixista da banda, o segurança disse: “Porra, mas quantos baixistas tem essa banda? Já entraram uns três!” Nem Ray Charles & The Count Basie Orchestra teria tantos músicos.

O legado
Ao contrário das outras grandes bandas de rock, a nossa não terminou tragicamente, nem por causa de brigas. Nós simplesmente crescemos. O Teratos (lê-se Tératos) – nome surgido numa aula de geografia – foi uma revolução pessoal de garotos que não suportavam o esterótipo de uma cidade. Que queriam uma opção de lazer não relacionada ao entretenimento para turistas.

Ninguém era cabeludo nem tatuado, ninguém falava inglês (a não ser Bernardo, que naquele ano pulou todos os níveis do curso e começou a bolar letras medievais), mas todos queriam se afirmar de alguma forma. Me toquei que, se algo que gostava tanto ainda não me preenchia, eu tinha mesmo era de sair dali. Vim fazer minha faculdade e aqui me encontrei.

Quando voltei, de férias, Pedro tinha sua própria banda de heavy metal. Ele era cabeludo e só usava roupa preta. Um monte de adolescentes que eu não conhecia ouvira falar do Tératos e do gênio endiabrado da guitarra, Bernardo – que estava pegando todas as menininhas. Havia a chamada “galera do rock”. Claro, não era feita de fãs do Teratos, mas eu sentia uma pontinha de orgulho por tudo aquilo.

Bernardo chegou a dizer que tinha parado de tocar guitarra: hoje se dedica a programação de computadores e mora em Recife, com a namorada. Porém, um vídeo enviado pelo próprio para Kinho, nosso último baixista, meio que em segredo, mostra o guitar hero baiano fritando as cordas ainda mais rápido do que antes.

Xandão continua em Porto Seguro, ainda buscando seu caminho. Eu estou aqui, fazendo o que eu acho que sei fazer melhor do que tocar minha guitarra – que acabei vendendo por uma ninharia e nunca mais voltei a cogitar. Meu instrumento agora é o teclado. Do computador. E sou mais feliz do que um rock star.


O mar

19 outubro 2008

 Weymouth beach looking towards Preston beach, the wet sand makes a great reflection for the fluffy clouds

Fui ver o mar. E mesmo tanto tempo distantes, ele me recebeu como sempre: de braços abertos. Sabe que o amo incondicionalmente; que a distância é uma questão de circunstância; que me dói deixá-lo – mas, acima de tudo, sabe que, se dele eu vim, a ele voltarei. Frio ou morno, a temperatura não indica o temperamento. Agitado ou calmo, sabe que vou invadí-lo. Mesmo que volte cheio de areia em minhas entranhas, zonzo pelo choque das ondas na minha cabeça, ofegante após uma verdadeira luta contra seu balanço violento, eu estarei lá. E é por isso que ele também me ama. Sabe que nada nos impede de nos fundirmos, que dedos enrugados não são um sinal para partir, que viver é recompensador tendo ele ao alcance. Salgado, cheio de altos e baixos, perigoso, mas prazeroso. Como a vida. Amo a vida porque entendo o mar.


Vale nada: a escrita e a neurastenia de André Julião

4 agosto 2008

Acho que não sirvo para ser um crítico nos moldes atuais, ou em qualquer outro molde. Não consigo me programar para terminar de ler um livro antes que o assunto fique velho. Depois que leio, ainda preciso de um tempo para digeri-lo, pensar sobre ele e tentar vê-lo de forma mais distanciada, e não mais no calor do momento.

Isso tudo sem contar um perfeccionismo muitas vezes inútil. Não consigo falar en passant de algo que eu julgue merecer toda a minha dedicação e a atenção dos leitores. Quero que a crítica seja digna da obra. Claro que, com tempo escasso – e com esse desafio utópico -, isso tudo é impossível. Para mim, pois acredito que há quem consiga.

Não raro deixo um texto mofar, começo, deixo para depois – às vezes interrompido por um convite para o bar, por exemplo – e nunca mais o finalizo.

Vou deixar meu orgulho de lado e publicar algo incompleto (ou mais provavelmente foi meu orgulho foi que não deixou que eu o jogasse fora). Abaixo, um rascunho de crítica da biografia de Tim Maia escrita por Nelson Motta. Mesmo agora que o livro passou dos 100 mil exemplares vendidos, creio que ainda há quem queira lê-lo. Saiba que ele merece muito mais do que estas tortas linhas. Merece sua leitura.

* * *

Tim Maia não se comportaria como um biografado comum. Seu jeito escrachado, sua fúria e sua simpatia, seus excessos e sua inteligência musical talvez não fossem compreendidos por um biógrafo que não o tenha conhecido tão bem quanto Nelson Motta. Poucos além de “Nelsomotta”, como era chamado por Tim, falariam de música como é dito em Vale Tudo – O som e a fúria de Tim Maia.

Só Nelson Motta para se sentir à vontade em escrever o peso de Tim em cada capítulo – o auto-intitulado “preto, gordo e cafajeste” odiava que falassem do seu tamanho. A narrativa não se atém a detalhes insignificantes: é ágil, daquelas que te fazem ler vários capítulos de um só fôlego.

A linguagem também está longe de ser a sisuda e distanciada de certas biografias: Nelson Motta não se propõe a ser isento, entrando vez ou outra na narrativa e usando termos heterodoxos como “negão”. Como não poderia deixar de ser, a música é uma grande personagem em toda narrativa. O autor se preocupa em descrever o suingue, as levadas, as influências das músicas.

Mesmo tendo sido amigo de Tim Maia, Nelson Motta não o poupa de detalhes que talvez Tim preferisse não fossem narrados. As ausências em shows devido às rebordosas de “triatlo” – quando Tim virava a noite à base de maconha, cocaína e uísque – os acessos de fúria, a arrogância – ou falta de modéstia – quando recusado em um hotel, por exemplo.

Tudo isso poderia ficar destacado ou escondido demais de um autor que não o tivesse conhecido. Porque também era notório em Tim seu enorme senso de humor, seu desapego e sua gratidão. Nelson Motta foi o mais honesto possível em se tratando de um personagem tão cheio de nuanças.

* * *

Para ir além: vale muito a pena visitar o hotsite do livro, com fotos, vídeos e músicas do grande Tim Maia do Brasil. E não se esqueça: leia o livro… Vale Tudo – O som e a fúria de Tim Maia.


O Rio de Janeiro continua único

2 junho 2008

Foto: m.cavalcanti

O chavão é inevitável no Rio de Janeiro. Pelo menos nas primeiras impressões. Ainda estou nelas, e, por isso, me permito desvencilhar-me da minha aversão ao lugar-comum. Fui de novo para o Rio. Os nervos não estavam em frangalhos, havia viajado (e gastado uma quantia considerável) no feriado anterior, mas o convite era irrecusável.

Depois de ter pegado chuva no carnaval, eu precisava agora curtir a beleza do Rio. Com sol, tudo fica mais bonito. A viagem teria sido sem palavras se acabasse no primeiro dia: não há o que dizer sobre aquela paisagem. A beleza é emudecedora. Não há fusão tão perfeita entre natureza e cidade.

(Ok, a junção se exagerou: os morros viraram favela e o medo de uma bala perdida deve ser constante para alguns. Não parecia às pessoas com quem conversei, mas não tenho isenção para falar de um lugar que, por enquanto, só me fascina.)

As peculiaridades do Rio se tornaram mais evidentes no segundo dia. Já era noite, mas resolvemos dar uma passada na Pedra do Arpoador. Três amigos cantavam e tocavam violão, enquanto turistas apreciavam a vista da orla iluminada e do morro, cheio de luzes da favela. A música era boa: o mais pop tocado foi Los Hermanos. E graças a eles, entramos na roda.

Soubemos depois que o “cantador” ali era profissional. O samba e a MPB bem executados não o deixavam mentir. A página no MySpace deu a confirmação “formal”. Desnecessária para mim e para quem mais estava ali.

Tudo já estaria de bom tamanho, mas ainda viriam mais surpresas.

No último dia o mar estava ainda mais nervoso. As ondas que já eram grandes e a correnteza, que dava certa aflição nos dias anteriores, agora eram não recomendadas. Placas ao longo da praia avisavam do perigo. Me despedi do mar sem o último mergulho; o sol e a vista foram suficientes.

O ônibus partiria à meia-noite, portanto, ainda poderíamos curtir mais um pouco da noite. E não poderia ser em lugar melhor: chama-se Casa Rosa, fica em Santa Tereza. Até 1992 era um bordel de luxo, o que é provado pela arquitetura do lugar. Chegamos por volta das 19h e fomos para a fila da… feijoada! E que feijoada! Por dois ou três reais a mais, comemos uma quantidade generosa e saborosa do prato.

Feijoada tem tudo a ver com samba, e lá fomos nós ouvir um ao vivo. Com caipirinha, que desce melhor do que cerveja depois de um pratão daqueles. Acabado o samba ao vivo, outro ambiente com outro ritmo nos esperava: funk! E teve desde Claudinho e Buchecha até Créu, que no Rio fica muito mais legal. Isso sem contar aqueles funks que você só ouve lá, trazidos pelos DJs que pegam direto da fonte.

Tivemos de deixar o lugar quando algumas “patricinhas” começavam a perder a linha. É incrível como o funk exerce uma influência sobre os quadris e pernas das pessoas. É quase uma reação físico-química que, infelizmente, não pude ver em sua completude. Havia um outro mundo me esperando.


Um lugar ducaralho

7 maio 2008
Foto: Vinicius Augusto

Belo Horizonte

Depois de semanas em que meu bom senso, auto-estima e projetos de vida continuavam a travar uma batalha sangrenta e sem fim, meus nervos estavam em frangalhos. Eu precisava ir para longe de São Paulo me desligar da guerra e relaxar. Foi uma luz no fim do túnel a idéia de ir para Belo Horizonte no feriado, visitar meu primo-irmão-de-criação, que viveu comigo todos os meus anos de Porto Seguro.

Depois de um carnaval no Rio de Janeiro, eu achava que não encontraria mais demonstrações tão exacerbadas do espírito fanfarrão humano. Me enganei. Afinal, eu iria presenciar a vida universitária como um voyeur, não mais como um membro dela.

É claro: a vida universitária dura anos, e não alguns dias; exige algumas responsabilidades maiores do que se manter de pé e, por estes dois fatores, nunca será algo tão avassalador quanto o carnaval. Mas o pessoal até que se esforça.

No meio daquelas pessoas jovens e sem maiores reclamações, eu era um ser estranho, apesar de – salvo engano – me disfarçar relativamente bem. Imagine: não ter de se preocupar com o aluguel no fim do mês; com o trabalho na segunda (a aula é bem mais tranqüila, acreditem, meus jovens); em disfarçar sua insatisfação para seus colegas de trabalho e chefes… Definitivamente, eu não pertencia mais àquele mundo.

O fato é que, como em toda viagem, não importa o quão longe se vai, o que encontrei não foi nada mais do que eu mesmo. E o reencontro foi mágico. Só saindo do seu meio para descobrir quem você é.

Sentei em bares onde ninguém falava de trabalho (as reclamações sobre a faculdade, se houveram, soaram como música); fui a baladas que exalavam uma energia quase virgem, em que a fumaça dos cigarros parecia até mais leve, sem aquela carga extra de frustração, responsabilidade e tristeza pela juventude que se vai.

Não voltei cheio de nostalgia. Voltei querendo fazer as coisas que sempre sonhara e que, de repente, foram deixadas de lado, entre um boleto do cartão de crédito e um celular de último tipo que quase ninguém liga. Tive de me segurar para não repetir a todo instante, embora tenha deixado escapar algumas vezes: aproveitem ao extremo!, este é um momento único em suas vidas!

Como se fosse preciso dizer.